Obra, estudo da Nasa e interdição emocional: um ano após desastre em Vinhedo, entenda impactos em casa onde avião caiu
08/08/2025
(Foto: Reprodução) Estudo da Nasa e interdição emocional: entenda impactos em casa onde avião caiu em Vinhedo
Ao longo de um ano, após a tragédia que matou 62 pessoas em Vinhedo, o imóvel onde o avião da Voepass caiu, em agosto de 2024, passou por profundas análises sobre as consequências do impacto da aeronave com o solo no local.
Com o amparo de uma pesquisa da Nasa que compara esse tipo de choque com abalos sísmicos, além de estudos sobre a psicologia do luto, a Defesa Civil de Vinhedo concluiu em relatório que os reflexos do desastre vão além da estrutura física da casa, que atualmente passa por reforma.
Ninguém em solo - inclusive os moradores da casa atingida - se feriu fisicamente com a queda do ATR 72-500. O proprietário deu entrevista no dia do acidente e depois não quis mais falar publicamente sobre o assunto.
Esta reportagem integra um conteúdo especial do g1 após 1 ano da queda do voo 2283, a maior tragédia da aviação brasileira em quase duas décadas. O portal lançou o web-documentário "81" segundos, que reconta o desastre. ASSISTA AQUI
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Interdição psicossocioemocional
O g1 conversou com o diretor da Defesa Civil de Vinhedo, Maurício Barone, que explicou os apontamentos feitos pelo órgão no laudo final divulgado em outubro de 2024, dois meses após a tragédia. O documento faz apontamentos que não se restringiram aos aspectos físicos e estruturais, habitualmente foco do trabalho do órgão.
"Então nós entendemos que cabia sim lançar, dentro do relatório, um olhar não só para o aspecto estrutural, que é habitual, mas também para o olhar psicossocial e emocional", explica.
A doutora em psicologia Elaine Alves organizou um dos livros que embasou a análise da Defesa Civil para a criação do laudo. Ela destaca que o dano emocional da família é agravado pelos impactos no relacionamento com a vizinhança, nas memórias e na própria história.
"Existe um luto por essa perda. Porque o luto não é só pela morte de alguém. O luto é por uma perda irreversível, seja ela qual for", ressalta.
Escombros de avião em Vinhedo (SP) neste sábado, dia 10 de agosto de 2024
Nelson Almeida/AFP
Estudo da Nasa
Após o acidente, os vizinhos da casa atingida demonstraram preocupação sobre o possível efeito, a médio prazo, que o impacto do avião no solo poderia ter nas fundações das casas.
Por esse motivo, Barone conta que a Defesa Civil se apoiou em um estudo da Nasa para avaliar se danos estruturais poderiam surgir com o tempo, em decorrência do impacto.
"A gente conseguiu, inclusive, localizar que, anos atrás, teve um sismo no Chile que provocou tremores de terra em Valinhos, que é nosso vizinho, então a gente usou esse estudo para comparar com o estudo da Nasa sobre o impacto de acidentes aéreos", relata o diretor.
As pesquisas apontaram que o impacto de um acidente aéreo não se assemelhava ao de um terremoto, e sim ao de uma explosão. Nas análises, a Defesa Civil concluiu, então, que a energia provocada pela queda da aeronave se concentrava na cratera originada pelo colisão, não afetando as estruturas no entorno.
"São fontes de energia completamente diferentes, que se dissipam completamente diferente, então a gente usou isso no nosso parecer para indicar que tecnicamente está tudo tranquilo", aponta o diretor.
Impactos físicos
De acordo com o documento da Defesa Civil, no aspecto físico e estrutural, a casa atingida pela aeronave foi parcialmente destruída e precisava de reconstrução nas áreas mais afetadas (principalmente garagem e telhado).
O documento detalha que esta reconstrução deve ser acompanhada "de parecer técnico sobre as condições atuais do imóvel". Um outro imóvel vizinho teve a indicação de reparos leves, sob recomendação de que os proprietários buscassem parecer técnico sobre a situação da estrutura.
Confira abaixo o que foi identificado, segundo o laudo. As casas são definidas como 'atingida', onde o avião caiu, e 'afetada', próxima ao local:
Casa atingida: o estudo concluiu que a área da garagem foi destruída. A parede da garagem está firme, mas ficou muito tempo exposta ao fogo e não é possível garantir a integridade. O telhado e sua estrutura tiveram danos consideráveis e, se não tiverem reparos, pode haver infiltração. As áreas de churrasqueira e piscina foram mapeadas com grau baixo de risco de abalo estrutural, também precisando de reparo leve.
Casa afetada: o imóvel não foi atingido diretamente pela queda da aeronave, mas recebeu estilhaços e labaredas. O laudo indica que a situação é semelhante a de outras residências vizinhas e podem ser solucionadas com a manutenção adequada. Apesar disso, recomenda que os moradores fiquem atentos a sinais de afundamento do solo.
Imagem de drone mostra aeronave após queda em Vinhedo em agosto de 2024
Reprodução / EPTV
Impacto emocional
Além do dano estrutural na casa atingida, o laudo também sugere que a família sobrevivente e residente "seja acompanhada por equipe de psicologia para avaliação psicossocial e emocional acerca de possível destruição total do sentimento de pertencimento e da capacidade de permanência e vivência no local".
Além disso, recomenda que "no caso de confirmação, que a família seja ressarcida e a área atingida seja utilizada para outros fins e propósitos distintos de lar e moradia dos residentes originais".
"Nós entendemos, no relatório da Defesa Civil, que se recomendasse a área como interditada do ponto de vista psicossocioemocional, que a família não teria mais condições de viver num ambiente desse. Nós sugerimos que isso seja avaliado", afirma Barone.
Da psicologia do luto à interdição
O encontro entre Maurício Barone e Elaine Alves aconteceu em Turim, na Itália, durante uma especialização na Organização Internacional do Trabalho realizada pelos dois. A partir da convivência no curso, Barone se familiarizou com o trabalho da doutora, que faz parte do laboratório sobre a morte no Instituto de Psicologia da USP, atua no apoio psicológico a pessoas afetadas por desastres e organizou um livro que trata do luto em acidentes aéreos.
O diretor conta que as equipes já estavam voltadas para o acolhimento das famílias afetadas, a partir do contato com as áreas da assistência social e da saúde. Durante a elaboração do laudo da casa atingida pelo avião e dos imóveis no entorno, a Defesa Civil usou o material sobre a psicologia do luto para se aprofundar nos possíveis danos emocionais.
"O nosso relatório serve para orientar, do ponto de vista estrutural e psicoemocional, se houve aparente dano ou não. Então, do ponto de vista estrutural, a casa ficou parcialmente destruída. Do ponto de vista psicoemocional, a gente entendeu que é preciso fazer uma avaliação da família para ver se ela tem condições de ter vivência ou não na moradia", ressalta Barone.
Alves explica que os impactos emocionais estão relacionados ao contexto vivenciado em tragédias como a queda do avião, e envolve situações como:
estar na casa no momento da queda
ver as vítimas e os destroços
ouvir os barulhos da queda e da explosão
cheiros da fumaça e de carne queimada
ser obrigado a sair de casa
ter a residência "invadida" por equipes técnicas
Segundo Alves, o trauma vivido pode afetar as relações que a família construiu com o lar e com as próprias memórias. "Ela perde sua própria história, da vizinhança. Às vezes é a casa que eu desenhei para mim, a casa que eu sonhei. São as memórias que aquela casa tem, então existe um luto por essa perda", destaca.
"É preciso entender com essas pessoas o que significava voltar para casa. Tem a ver com os primeiros sintomas de estresse pós traumático, e por isso se faz a avaliação e o acompanhamento da família, até para saber se todas essas emoções vão diminuir ou não", explica a psicóloga.
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